Direito de Família na Mídia
Abstinência sexual leva a anulação de casamento
27/03/2006 Fonte: TJ-RSO matrimônio não consumado devido à recusa permanente ao relacionamento sexual revela desconhecimento sobre a identidade psicofísica do parceiro, tornando insuportável o convívio conjugal, o que caracteriza a anulação do casamento.
Esse foi o entendimento dos integrantes da 7ª Câmara Cível do TJRS que, por maioria, atenderam apelação do marido e do Ministério Público, contra sentença que, na comarca de Guaíba (RS) julgou improcedente o pedido de anulação do casamento. O matrimônio ocorreu em setembro de 2002.
O agente ministerial alegou não ter ficado esclarecido o motivo pelo qual a esposa se recusava a manter relações sexuais com o marido. Argumentou que a negativa poderia decorrer de problemas físicos ou mentais, ou mesmo da vontade da mulher, o que dá causa à anulação do casamento nos termos do art. 1.557, incisos I, III ou IV, do Código Civil. Sustentou ser injusto sujeitar o cônjuge ao status de separado ou divorciado, com as conseqüências patrimoniais decorrentes.
O marido declarou tratar-se de rejeição contínua desde a noite de núpcias. Manifestou que a relação sexual integra a vida em comum, não aceitando a omissão da esposa, que poderia ter declarado antes do casamento sua negativa às relações sexuais. Asseverou que a recusa injustificada caracteriza erro essencial quanto à pessoa, conduzindo à anulação do casamento. Salientou, em petição, que "se soubesse previamente da opção da mulher em negar-se ao ato sexual, não teria casado com ela".
A mulher declarou que a abdicação às relações sexuais não afeta os planos de existência, validade e eficácia do matrimônio. Disse que as partes coabitaram por quase um ano, e asseverou ter o casamento fracassado em razão da incompreensão do marido, que deveria ter procurado superar o problema em conjunto, cabendo-lhe recorrer à separação judicial ou ao divórcio, se desejasse a dissolução. Sustentou que "a recusa às relações sexuais não afeta os planos de existência, validade e eficácia do matrimônio".
Segundo o desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, relator do recurso, "a reiteração da conduta, de forma imotivada, viola deveres da vida em comum e consideração com o cônjuge, afetando o princípio solar da dignidade da pessoa humana e de sua imagem". Referiu que a lei fundamental brasileira ergueu como maior valor do ordenamento o princípio da dignidade da pessoa humana de acordo com o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. "Entre outras garantias, o respeito à intimidade, à vida privada, à imagem e à reputação, os deveres da fidelidade recíproca, da vida comum sob o mesmo teto, obrigações a que se comprometem os cônjuges, conforme o art. 1.566, incisos I, II e V, do Código Civil."
Votou de acordo com o relator - anulando o casamento - o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, presidente do IBDFAM-RS.
A desembargadora Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM, que foi voto vencido, declarou que a preservação do vínculo do casamento não necessita ser defendida pelo Estado, muito menos a sua anulação. Disse que ainda que o agente ministerial atue como fiscal da lei, não tem legitimidade para recorrer buscando a desconstituição do casamento. Para a magistrada, a negativa de contato sexual não configura erro essencial a ensejar a anulação do casamento. "Reconhecer a obrigação de contatos sexuais acabaria por impor a existência do direito à vida sexual, o que estaria chancelando a violência sexual e até a prática de estupro na busca do exercício de um direito", ponderou.
Para Berenice, "caberia somente a busca da separação e nunca a anulação das núpcias".
Em dezembro passado, o 4º Grupo Cível do TJRS julgou o recurso de embargos infringentes interposto pela mulher - desacolhendo-o, por maioria. O acórdão do último recurso foi publicado no dia 16 deste mês.
Segundo o relator desse último recurso, desembargador Rui Portanova, "a existência de relacionamento sexual entre cônjuges é normal no casamento. É o esperado, o previsível. O sexo dentro do casamento faz parte dos usos e costumes tradicionais em nossa sociedade. Quem casa tem uma lícita, legítima e justa expectativa de que, após o casamento, manterá conjunção carnal com o cônjuge".
Os advogados Heitor de Abreu Oliveira e Roni Souza Renner atuaram em nome do homem, autor da ação de anulação. (Proc.n° 70010485381 - com informações do TJRS e da base de dados do Espaço Vital ).
Acórdão da 7ª Câmara Cível
" Insuportabilidade da convivência conjugal e erro essencial sobre a identidade psicofísica da consorte".
Acórdão do 4º Grupo Cível
"O fato de que o cônjuge desconhecia completamente que, após o casamento, não obteria do outro cônjuge anuência para realização de conjunção carnal demonstra a ocorrência de erro essencial" .